20/08/2007
Feminismo, anarquismo e Revolução Espanhola
Não é novidade dizer que as experiências femininas na Revolução Espanhola, entre 1936 e 1939, foram obscurecidas por narrativas que não valorizam a dimensão do gênero. Na tradição histórica que se constituiu em nosso país, por exemplo, os estudos sobre esse importante movimento revolucionário foram marcados por um olhar que não só privilegiou a atuação dos homens, como deu maior visibilidade às lutas antifascistas, focalizando, na maior parte das vezes, grupos comunistas e trotskistas em luta contra os franquistas, apesar do reconhecimento da participação de outros setores políticos importantes, como os anarquistas. Daí a grande desinformação a respeito das criações revolucionárias, nesse movimento político e social, tanto quanto sobre a atuação das mulheres. Como observa Shirley Mangini, saindo dos marcos nacionais:
Dos milhares de artigos e livros sobre a Guerra Civil espanhola, poucos contêm informações sobre o papel das mulheres na guerra e no período seguinte, exceto algumas descrições ou simples referências em notas de rodapé. E, no entanto, (...) a oportunidade mais revolucionária para a emergência das mulheres na cena intelectual e política ocorreu nesse momento.(Mangini, 1991:)171)
Para muitos e muitas, portanto, a Revolução Espanhola constitui um marco histórico fundamental, pelas rupturas profundas que promoveu na ordem social burguesa e pelas possibilidades de invenção da liberdade que revelou ao mundo capitalista, especialmente com suas experiências autogestionárias nas cidades e nos campos. Muitos militantes libertários, entre mulheres e homens, ainda hoje, indignam-se com esse esquecimento, pois compartem o sentimento de terem participado de uma genuína revolução popular, como dificilmente se repetirá na História, como afirmou um deles, em entrevista recente.[1] Afinal, os anarquistas tinham construído toda uma história de resistências e lutas, tinham formado gerações no mundo do trabalho com seus ateneus, bibliotecas, escolas modernas, centros culturais e grupos artísticos, e já tinham 70 anos, quando surge o Partido Comunista espanhol.
“Para os anarquistas tudo se referia à Espanha de 1936, 1939, tudo era exemplificado com a Espanha. Só que havia uma diferença. Entre os anarquistas, muitos participaram da Guerra Civil na Espanha, realmente ...” observa, em suas lembranças, Maurício Tragtenberg.( Tragtenberg,1999: 57 )
Evoco, ainda, a memória de duas militantes libertárias, profundamente comprometidas com a preservação histórica dessas lutas: a espanhola Federica Montseny e a escritora italiana Luce Fabbri. A primeira, protagonista dos eventos revolucionários da Espanha, foi nomeada ministra da Saúde e da Assistência Social, no gabinete de Francisco Largo Caballero, em novembro de 1936; como tal, propôs implementar uma ampla reforma na saúde, descentralizando o atendimento médico, reorganizando os hospitais, legalizando o aborto, criando casas para abrigar as mulheres carentes( Greene, 1997.) A segunda, radicada no Uruguai, acompanhou entusiasticamente cada minuto da Revolução, mobilizando diversos tipos de apoio e solidarização em seu meio; produziu, além de vários artigos políticos para os jornais libertários, uma coletânea intitulada 19 de Julio, com o pseudônimo de Luz D. Alba, em que reúne depoimentos e outros documentos de vários combatentes, testemunhando as criações coletivas da Revolução, a coletivização das fábricas e dos campos, a reforma pedagógica, assim como as perseguições e as mortes ocorridas no processo político revolucionário.( Luz D. Alba, 1936).
A primeira registra o evento em sua autobiografia e reivindica sua reatualização no presente:
As semanas vividas em Madri naquele período, aqueles meses de novembro e dezembro de 1936 permanecem em minha memória como os mais extradordinários de minha vida. Ver todo um povo espontaneamente mobilizado, trabalhando febrilmente para organizar sua defesa não é um fato histórico que se veja todos os dias, afirma em Mis primeros cuarenta años.(Montseny, 1987, 107)
Do mesmo modo, Luce Fabbri se refere à Revolução Espanhola como o acontecimento mais marcante de seu passado: Foram três anos em que vivemos mais na Espanha do que aqui, com o coração; na realidade, tudo o mais havia desaparecido...”( Rago, 2001, 188.)
Não são apenas as histórias da desapropriação das extensas propriedades de terra e da autogestão efetivada por milhares de pessoas nas fábricas e nos campos, que mal conhecemos. Muitas experiências sociais e culturais, como as promovidas pela Agremiação anarco-feminista “Mujeres Libres”, fundada por três ativistas libertárias, também foram silenciadas por várias décadas e, na verdade, vieram à tona, em grande parte, pela ação de suas próprias antigas militantes, desde o final do franquismo, em 1975.[2]
Em linhas gerais, a história desse grupo anarco-feminista começa em abril de 1936, às vésperas da eclosão da guerra civil, quando três combativas anarquistas, a jornalista e poetisa Lucía Sanchez Saornil, a advogada Mercedes Comaposada e a médica Amparo Poch y Gascón se unem para criar o grupo “Mujeres Libres”, dedicado à luta pela emancipação feminina no mundo do trabalho.
Lucía Sanchez Saornil, nascida em Madri, em 1895, trabalhara na Companhia Telefônica de Barcelona e durante uma série de greves de que participa, adere à CNT – Confederação Nacional do Trabalho, de orientação anarquista. A partir daí, radicaliza sua participação, escrevendo nos periódicos libertários Solidaridad Obrera e Tierra y Libertad. Em fins de 1935, anuncia seu projeto de criação de uma agremiação política dedicada à causa das mulheres. Mercedes Comaposada, filha de um ativo sapateiro anarquista, nasce em Barcelona, em 1901, e aprende desde cedo a montar películas; mais tarde, ao participar da CNT – Confederação Nacional do Trabalho, encontra o escultor Balthasar Lobo, a quem se une.
Enquanto advogada, desgostosa com o comportamento dos trabalhadores num curso que oferecia em um dos sindicatos da CNT, em 1933, encontra Lucía, com quem logo passa a discutir a questão feminina no anarquismo. Amparo Poch y Gascón, nascida em Saragoça, em 1902, torna-se médica pediatra e também assina como a Dra. Salud Alegre. Assim como as outras duas, defende a liberdade sexual, a maternidade consciente e o aborto.[3]
As três libertárias já traziam uma bagagem política expressiva, como militantes de esquerda, tanto quanto ideais feministas, sobre os quais escreviam nos jornais “Tierra y Libertad” e “Solidaridad Obrera”, ou nas revistas “Estudios”, “Generación Consciente” e “Umbral”. Revoltavam-se com as dificuldades e com a opressão sexual enfrentadas pelas mulheres pobres, mesmo no meio libertário, mais oxigenado, em que eram solicitadas e incentivadas a participar do espaço público.
Desde o último quarto do século 19, os anarquistas haviam conseguido forte penetração social, fundando sindicatos, criando ateneus libertários, promovendo inúmeras atividades culturais por toda a Espanha. Apesar de suas críticas contundentes às instituições sociais, como a Igreja e a família, apesar dos ataques ao casamento, às desigualdades sexuais, à educação coercitiva para as crianças, na prática, a situação feminina continuava fortemente opressiva e poucas melhoras haviam sido feitas.
Portanto, quando o pequeno grupo se constitui, não demora a encontrar-se com outras companheiras, que também começavam a atuar em Barcelona, na “Agrupación Cultural Feminina”, formada por anarquistas como Pilar Grangel, professora racionalista e militante da CNT e Áurea Cuadrado. Rapidamente, novos grupos locais são criados por toda a Espanha e inúmeras mulheres aderem à organização. Muitas são operárias analfabetas; outras autodidatas, como Lola Iturbe, ou formaram-se nos ateneus libertários. Espanholas, na grande maioria. A anarquista Etta Federn, por sua vez, vinha da Alemanha e também opta por unir-se ao grupo.
Mudar as condições de existência das mulheres pobres da Espanha, capacitando-as para o trabalho e para a vida pública, retirando-as do confinamento doméstico e do obscurantismo religioso, proporcionando-lhes meios práticos para a participação na vida social, política e cultural foi uma preocupação constante nas propostas e realizações do Grupo. Assim, além do “Instituto Mujeres Libres” e das centenas de agrupamentos locais espalhados pelo país, elas fundam o “Casal de la Dona Traballadora”, no Paseo de Gracia, em Barcelona, espaço cultural destinado aos cursos, palestras e oficinas que realizam para cerca de 600 mulheres.
No bairro de Sans, nesta cidade, criam um “Instituto nocturno”, também chamado “Mujeres Libres”. Segundo um anúncio publicado no jornal CNT, de 1937, ficamos sabendo que aí eram oferecidos cursos de Aritmética, Gramática, História da Literatura, Geografia, História, Contabilidade, Ciências Naturais, Anatomia, Idiomas, Desenho, cursos de Agricultura, Puericultura, Enfermagem, formação de secretárias, mecanografia, taquigrafia, redação e cursos em Propaganda. Além disso, poderiam estudar mecânica na escola de transporte, entre outros ofícios que não eram tradicionalmente oferecidos às mulheres, mesmo que estas já ocupassem um largo espaço no mercado de trabalho industrial.
Contudo, mais do que isso, a mudança que essas militantes visavam enquanto anarco-feministas apontava para a criação de novos estilos de vida, fundados em uma ética capaz de propor novas formas de sociabilidade e de produzir subjetividades mais libertárias.[4] A questão da produção da subjetividade se colocou enfaticamente, sobretudo nesse contexto revolucionário, em que as/os anarquistas lutaram não apenas para destruir o poder político concentrado no Estado e fortalecido pela ajuda material de outros países, mas também investiram fortemente para transformar radicalmente a vida econômica, as relações sociais hierárquicas e desiguais e garantir as manifestações culturais populares.
De fato, a população mobilizada, ao lado dos libertários, transformou a luta antifascista numa revolução social, como observam vários historiadores[5] - e esquecem outros -, tratando de criar organismos econômicos autogestionários e de incentivar (Boochin, 2000. ) formas solidárias de sociabilidade por toda a parte.
Em se tratando da experiência do “Grupo Mujeres Libres”, as questões sociais se aliaram às lutas pela libertação feminina e, nesse sentido, elas procuraram promover novos modos de constituição de si, capazes de subverter os códigos burgueses de definição das mulheres como esposas, mães, exclusivas do lar, ou como seu avesso. Mas não de uma maneira apenas negativa, isto é, como formas de reação ao poder, já que essas lutadoras implementaram muitas iniciativas pioneiras, como a criação de cursos de capacitação das operárias, nos quais desejavam despertar a consciência feminina para as idéias libertárias, como afirmavam. Cursos de alfabetização e profissionalizantes, visando criar novas formas de inserção social para as mulheres pobres; centros de assistência médica e de educação sexual; creches; liberatórios de la prostitución, isto é, casas destinadas às que desejassem sair da prostituição e também para que as prostitutas pudessem ter tratamento médico e orientação para melhorar suas vidas, como afirmava Pura Perez[6], além de espaços, como os da revista que leva o nome do Grupo, em que puderam refletir sobre si mesmas e criar toda uma cultura feminista entre as militantes e simpatizantes do anarquismo.
A revista, da qual existem apenas 13 números, era escrita, feita e subvencionada só por mulheres, pois “sabemos por experiência que os homens, por muito boa vontade que tenham, dificilmente atinam com o tom preciso.” [7] Abordava temas variados relativos ao universo feminino, como maternidade consciente, prostituição, puericultura e infância, moda, ginástica, e discutía a constituição de uma nova moral sexual. Revelando uma preocupação estética, para além de ética, a revista divulgava as realizações do grupo, propagava as idéias libertárias, chamava as trabalhadoras para a reflexão e militância anarco-feminista.
Vale notar que as possibilidades criadas de outras formas de produção da subjetividade não se efetivaram num marco individualista, como se poderia supor, e aqui recorro às conceitualizações de Foucault, pois visavam a uma intensificação das relações consigo mesma, mas não no sentido corrente de uma valorização da vida privada em detrimento da esfera pública, nem no de uma acentuação do valor do indivíduo sobreposto em relação ao grupo.[8]
Longe de estimular o apego à esfera privada como refúgio em relação ao mundo competitivo dos negócios e da política, como defendia a ideologia da domesticidade contra a qual, aliás, elas se batiam, essa “cultura de si” do anarco-feminismo, se assim podemos chamar, passava pelo estabelecimento de novas relações consigo, mas também com o outro, relações solidárias, de amizade, de companheirismo político, anti-hierárquicas, num meio bastante sofrido como o operário. Visava, portanto, fortalecer as redes da militância política tanto entre elas mesmas, como com os companheiros ligados a outras entidades, sobretudo nesse momento de intensa movimentação revolucionária em que um novo mundo parecia totalmente possível.
Essa questão não passou desapercebida para algumas historiadoras, como a norte-americana Temma Kaplan, que registra a preocupação dessas ativistas libertárias com as dimensões psico-sociais, em geral ignoradas pelos homens, evidenciadas em investimentos para
ensinar as mulheres a agir politicamente, a assumir posições de liderança e a desenvolver novas imagens de si como povo potencialmente autônomo (...).”( Kaplan, 1997, 418)
Segundo ela, esses temas escapavam aos militantes do sexo masculino, que, como outros revolucionários, acreditavam firmemente que o sucesso da Revolução em termos econômicos e sociais levaria necessariamente ao fim da opressão sexual e da desigualdade de gênero. O que significa que muitas mulheres continuavam a enfrentar imensas dificuldades tanto diante da tirania dos pais, maridos e irmãos, quanto pela proliferação da prole, ou pelas situações de abandono, já que eram pobres e sem dote.
Contudo, há que se relativizar essas afirmações, pois mais do que em qualquer outro país, a cultura anarquista espanhola contou com a adesão de médicos e psiquiatras libertários, que lutaram pela transformação da moral sexual conservadora e preconceituosa, tanto ideologicamente, através de livros, folhetos e artigos publicados na imprensa anarquista, quanto por iniciativas práticas.
A revista “Estudios”, por exemplo, possuía uma seção intitulada “Consultório Psico-sexual”, em que o Dr. Felix Martí Ibáñez, especialista em Psicologia Sexual e em Sexologia, respondia às cartas dos trabalhadores, procurando apresentar soluções para seus problemas sexuais e sentimentais, ou prestar esclarecimentos sobre distúrbios físicos e psicológicos.( Rago, in Soares, 2001:145-161) O Dr. Isaac Puente, assassinado em 1936, pelos franquistas, publicava nas revistas “Generación Consciente”, “La Revista Blanca”, “Umbral” e nos jornais “Solidaridad Obrera”, “CNT”, “Tierra y Libertad”, entre outros divulgando suas concepções filosóficas e sociais libertárias.
O próprio nome escolhido pelo Grupo para se identificar e ser identificado é surpreendente e revelador: Mujeres Libres demarca com ousadia um espaço próprio, já que assumido no contexto de uma Espanha católica, machista e ultraconservadora, em que a liberdade feminina era associada à degeneração moral pelo discurso religioso e pelo científico. Enquanto a Igreja abençoava as mulheres puras e santificadas, associadas à imagem de Santa Maria, os médicos burgueses, influenciados pelas teorias lombrosianas da degenerescência, afirmavam cientificamente que elas haviam nascido para a maternidade e para o lar.
No rol das transgressoras, alinhavam-se prostitutas, lésbicas, feministas, anarquistas e socialistas. Esse pensamento predominava no mundo ocidental naquele período, e vale lembrar que até os anos 1970, não apenas no Brasil, o termo mulher pública era sinônimo de prostituta. Nos inícios do século 20, não era raro que costureiras, floristas, chapeleiras, trabalhadoras das fábricas de tecido e artistas fossem percebidas como prostitutas, não apenas na Espanha. Portanto, as palavras de Lucía, refletindo a respeito do nome dado ao grupo são esclarecedoras:
Pretendíamos dar ao substantivo “mulheres” todo um conteúdo que reiteradamente se havia negado, e ao associá-lo ao adjetivo “livres”, além de nos definirmos como totalmente independentes de toda seita ou grupo político, buscávamos a reivindicação de um conceito – mulher livre – que até o momento havia sido preenchido com interpretações equívocas, que rebaixavam a condição da mulher ao mesmo tempo que prostituíam o conceito de liberdade, como se ambos os termos fossem incompatíveis.
Mulher e direito à liberdade são associados em seu discurso contestador. O feminismo que defendiam, contudo, difere muito do feminismo liberal vigente então. Na tentativa de diferenciarem-se das liberais, que lutavam pelo direito do voto, pelo acesso à esfera pública, deixando inquestionados os códigos da feminilidade da época, as “Mujeres Libres” chegaram, às vezes, a declararem-se não-feministas, ambigüidade que se expressa nos próprios artigos publicados em sua revista.
Assim, se de um lado, a própria revista “Mujeres Libres” afirmava desejar
reforçar a ação social da mulher, dando-lhe uma nova visão das coisas, evitando que sua sensibilidade e seu cérebro se contaminem com os erros masculinos. E entendemos por erros masculinos todos os conceitos atuais de relação e convivência (...). (no.1, maio de 1936);
de outro, criticava o feminismo que, segundo elas, havia levado as mulheres à guerra
feminismo que buscava sua expressão fora do feminino, tratando de assimilar virtudes e valores estranhos (...).
Propunham, portanto, um outro feminismo, como diziam claramente:
é outro feminismo, mais substantivo, de dentro para fora, expressão de um modo, de uma natureza, de um complexo diverso frente ao complexo, à expressão e à natureza masculinos. Está claro que elas defendiam uma afirmação das mulheres e, por isso mesmo, recusavam a publicação de quaisquer artigos escritos por homens, na revista, reservando e preservando o espaço feminino que construíam e queriam fazer expandir. Como observam: (a revista) quer (...) fazer ouvir uma voz sincera, firme e desinteressada: da mulher, porém uma voz própria, a sua, a que nasce de sua natureza íntima (...)
Ao mesmo tempo, se de um lado o discurso do Grupo aparece muitas vezes como essencialista, ao invocar uma natureza feminina diferenciada da masculina e, por isso mesmo, capaz de trazer novas formas para modelar a vida social e cultural, de outro, destaca-se por sua crítica ao modelo hegemônico de feminilidade, como aparece em vários números dessa publicação. Assim, enquanto defendiam a igualdade de direitos entre mulheres e homens, também questionavam a maternidade como função essencial da mulher:
que a mulher cuja vocação não for doméstica e sua ampla realização, a maternidade, tenha as mesmas facilidades que o homem para buscar e obter outras oportunidades que lhe permitam conseguir sua liberação econômica. (n.5)
Aliás, num artigo de Lucía Sanchez Saornil, que não quis ser mãe, em que critica certas organizações feministas, a maternidade aparece identificada negativamente pela metáfora animal. Diz ela:
“(...) recolhendo ao sentido tradicional da feminilidade, (aquelas organizações) pretendiam que a emancipação feminina só estava no fortalecimento daquele sentido tradicionalista que centrava toda a vida e todo o direito da mulher em torno da maternidade, elevando esta função animal até sublimações incompreensíveis. Nenhuma nos satisfez”. (Saornil, CNT, 1937:41 )
Segundo o depoimento de Sara Berenguer, dado muitas décadas depois, “Mujeres Libres” foi um grupo atuante dedicado à luta pela autonomia feminina, mas não tendo em vista excluir a outra parte, os homens. Segundo ela, - que se uniu a um companheiro e teve vários filhos e netos - , como um grupo revolucionário, este lutou pela emancipação dos dois sexos. Ao comparar o “Mujeres Libres” aos grupos feministas norte-americanos da atualidade, delimita claramente as diferenças:
“Este não é o caso dos grupos feministas na América do Norte e em outras partes do mundo, os quais tendem a dispersar sua energia e seu tempo discutindo e escrevendo acerca da teoria da opressão da “pobre mulher” pelo “homem malvado”, mantendo-se deste modo demasiado ocupadas para ajudar às mulheres pertencentes às classes sociais com mais desvantagens e menos oportunidades, como são as minorias, as pessoas pobres e as mulheres da classe operária, que necessitam de ajuda prática, educação e informação.”Idem:.101)
As concepções de gênero que orientavam as práticas e as representações que essas ativistas construíram de si mesmas e em relação ao outro foram bastante subversivas e radicais. Longe dos ideais de feminilidade e de masculinidade que vigoravam na Espanha dos anos trinta, o Grupo “Mujeres Libres” defendia o fim das hierarquias sexuais e sociais, o amor livre, a maternidade consciente, o direito ao aborto, além dos direitos de acesso à cultura, ao trabalho e à educação.
Se não se pode generalizar essas concepções para todas as mulheres que se envolveram com o Grupo, ao examinar a biografia das três fundadoras, observa-se que apenas Mercedes teve um companheiro fixo, o escultor Balthazar Lobo e desenhista da Revista. Lucía viveu com sua amiga América Barroso a vida toda, enquanto a dra. Amparo, que defendia claramente o amor livre, não se fixou com nenhum homem. Nenhuma teve filhos.
Os discursos e as práticas do Grupo soam, hoje, com uma impressionante atualidade e parecem bem mais próximos das questões formuladas pelo feminismo contemporâneo do que os de suas precursoras institucionalmente reconhecidas, ou seja, as antigas feministas liberais. Num debate relativamente recente, questionando as políticas afirmativas da identidade, Elizabeth Grosz sustenta que o feminismo precisa reconceitualizar o que o entende por subjetividade, discordando que se trata de libertar as mulheres, pois reconhecer identidades seria defender uma política servil. Segundo ela:
“O feminismo(...)é a luta para tornar mais móveis, fluidos e transformáveis, os meios pelos quais o sujeito feminino é produzido e representado. É a luta para se produzir um futuro, no qual as forças se alinham de maneiras fundamentalmente diferentes do passado e do presente. Essa luta não é uma luta de sujeitos para serem reconhecidos e valorizados, para serem ou serem vistos, para serem o que eles são, mas uma luta para mobilizar e transformar a posição das mulheres, o alinhamento das forças que constituem aquela ‘identidade’ e ‘posição’, aquela estratificação que se estabiliza como um lugar e uma identidade.”( Grosz.,2002.)
Outra conhecida feminista, Rosi Braidotti, afirma que
figurações de subjetividade nômade, complexas e mutantes estão aqui para ficar, e propõe abandonar o lar, porque o lar é frequentemente local de sexismo e racismo – um local que nós precisamos retrabalhar política, construtiva e coletivamente.” (Braidotti, 2002,.14)
E´ possível sugerir que essa discussão se encontra em parte com as posições que, nos anos trinta, formula Amparo Poch y Gascon, em seu “Elogio del amor libre”, consciente dos efeitos nocivos e paralisantes da vida doméstica e do modelo romântico de feminilidade:
I. Yo no tengo Casa. Tengo, sí, un techo amable para resguardar-te de la lluvia y un lecho para que descanses y me hables de amor. Pero no tengo Casa. No quiero! No quiero la insaciable ventosa que ahila el Pensamiento, absorbe la Voluntad, mata el Ensueño, rompe la dulce línea de la Paz y el Amor. Yo no tengo Casa. Quiero amar en el anchucroso “más allá” que no cierra ningún muro ni limita ningún egoísmo. (...)
Yo no tengo Casa, que tira de ti como una incomprensiva e implacable garra; ni el Derecho, que te limita y te niega. Pero tengo, Amado, um carro de flores y horizonte, donde el Sol se pone por rueda cuando tú me miras.(. Gascón, 1936:95/101. )
Se pensarmos na casa, como símbolo da domesticidade, associado à idealização romântica da mulher como rainha do lar, nascida para a maternidade e para a esfera do mundo privado, ou da privação, como diz Hannah Arendt, o discurso de Amparo soa totalmente radical e transgressivo, aliás, como foi sua própria experiência de vida.
Para Mercedes Comaposada, no entanto, Mujeres Libres não era uma entidade feminista, mas um centro de capacitação da mulher em todos os terrenos cultural, econômico, social... Enfim, se há várias posições internas em relação à questão feminista, politicamente se colocam contra o sistema capitalista, pela abolição do Estado, pela direção da economia pelos sindicatos, a favor da implantação do “comunismo libertário”. No entanto, ou principal alvo do Grupo foi a questão específica da mulher, acreditando-se que a libertação feminina era condição sine qua non para a mudança revolucionária da sociedade. Daí, as críticas contundentes aos homens anarquistas, que, segundo Lucía, se consideram o umbido do mundo.
Em relação à comunidade de mulheres que criaram, todas se referem, em suas memórias, às fortes relações de solidariedade estabelecidas entre elas. Segundo Conchita Liaño:
absolutamente todas as mulheres integrantes de MM.LL. havíamos feito da solidariedade à mulher da Espanha um valor essencial. Tudo girava ao redor da solidariedade, porque, volto a dizer, não havia líderes. (...) Teria sido possível comparar-nos a uma colméia de abelhas, cada qual em seu lugar desempenhava sua tarefa. [8]
É interessante notar como ela questiona o modo pelo qual as mulheres então criavam seus filhos, dando privilégios especiais aos meninos em relação às meninas. Segundo Liaño:
(para) nós, as fundadoras de MM.LL., era imperativo que as mulheres compreendessem que não era impossível sacudir esse condicionamento atávico e deviam começar a modificar os esquemas a partir de si mesmas e de seu próprio lar, começando por sua descendência filial, não outorgando aos varões privilégios sobre as meninas. Por que deviam as meninas serem empregadas de seus irmãos?
Aliás, depois de um ano de existência, o Grupo consegue realizar a Primeira Conferência Nacional, em Valência, em 22 de agosto de 1937, o que revela seu rápido crescimento. Em seguida, constitui uma Federação Nacional de Mujeres Libres, em bases anarquistas. A historiadora Mary Nash indica um total de 153 agrupamentos locais de Mujeres Libres, criados entre 1937/38.
Não vinculado oficialmente a nenhum organismo político e defendendo tenazmente a autonomia política, “Mujeres Libres” se declarava anarquista e se dizia identificado com a CNT – Confederação Nacional dos Trabalhadores e FAI - Federação Anarquista Ibérica, também anarquistas. Nem por isso as relações que mantiveram com esses grupos políticos deixaram de ser tensas. Os militantes das “Juventudes Libertárias”, em especial, tiveram muitas restrições ao grupo, visto como separatista, pois temiam sua concorrência na cooptação das jovens militantes femininas.
Em suas memórias, uma das participantes do grupo, Conchita Liaño, estranha essa atitude, afirmando que a reação dos anarquistas em não querer reconhecer politicamente o grupo havia sido muito decepcionante, pois até mesmo os comunistas tinham criado uma organização feminina, a “Mujeres Antifascistas”. No entanto, também admite que isso não os impedia de dar-lhes um importante apoio econômico. Outra ativista, Pepita Cárpena, afirma em suas memórias:
Tampouco entendo o porquê da rejeição de Mujeres Libres, que nunca os companheiros quiseram integrar em seu seio (como fizeram com a F.I.J.L. – Federação Ibérica de Juventudes Libertárias) apesar do apoio de nossa querida Emma Goldman, que intercedeu em nossa causa.
Em seguida, valoriza a fundação da organização:
Quando estive entre as companheiras pude compreender quão bem-fundado foi esse grupo, a visão que tiveram e como entre todas era mais fácil expressar-se. Não esqueçamos que ainda pesavam os preconceitos sobre nós. Não é em vão que se recebe uma educação permanente para que de repente caiam todos os tabus.” [9]
Maria Rodrigues Gil, também militante, estabelece a diferença de seu grupo com outros do mesmo período:
À diferença dos setores femininos dos partidos políticos, Mujeres Libres foi sempre uma organização completamente autônoma da CNT e do movimento anarquista em geral. Também, à diferença dos setores femininos dos partidos ( e de todos os grupos de feministas que eu conheci, em Mujeres Libres, assim como na CNT, não existiu hierarquia de nenhum tipo, sendo uma organização verdadeiramente anarquista e democrática em seu mais puro sentido, sem permitir que a adesão ao poder ao controle frustasse seus esforços para ajudar a mulher e a humanidade em geral. (p.102)
Valendo-me de alguns conceitos de Foucault, creio que se pode afirmar que com suas artes da existência, ou técnicas de si e de relação com o outro profundamente renovadas, feministas e libertárias, as práticas do Grupo “Mujeres Libres” se conectam com nossas preocupações atuais e podem, por isso mesmo, constituir-se num importante repertório para nossa atualidade.
Vale notar que, num momento em que as portas têm-se aberto para a participação feminina no mundo político, cultural e social e em que o feminismo é considerado, até mesmo por aqueles que pouco se ocuparam com as questões femininas, como a única revolução que deu certo no século 20, também causa polêmica a emergência de subjetividades ambiciosas, autoritárias e até mesmo bélicas, que contrariam as propostas libertárias do feminismo. Afinal, a aposta maior do feminismo na importância de libertação das mulheres, na conquista de seu direito à cidadania vinculava-se à crença de que as mulheres haviam passado por experiências muito diferenciadas das masculinas, o que as aproximava mais dos valores positivos de construção social.
Finalmente, se como propõe Gaddis, uma maneira de valorizar a história e de mostrar suas valiosas contribuições decorre de sua capacidade de oferecer mapas, um pouco como os geógrafos, transmitindo experiências do passado, único banco de dados que possuímos (Gaddis 2003: 23) então faz todo sentido ouvir atentamente o que as Mujeres Libres têm a nos contar, pelo que podem nos enriquecer e aumentar nossa capacidade de crítica e de invenção ética.
19/08/2007
Clarice Lispector: minha alma.
"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
1920- Clarice Lispector nasce em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro, tendo recebido o nome de Haia Lispector, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. Seu nascimento ocorre durante a viagem de emigração da família em direção à América.1922- Seu pai consegue, em Bucareste, um passaporte para toda a família no consulado da Rússia. Era fevereiro quando foram para a Alemanha e, no porto de Hamburgo, embarcam no navio "Cuyaba" com destino ao Brasil. Chegam a Maceió em março desse ano, sendo recebidos por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin, que viabilizara a entrada da biografada e de sua família no Brasil mediante uma "carta de chamada". Por iniciativa de seu pai, à exceção de Tania — irmã, todos mudam de nome: o pai passa a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia — irmã, Elisa; e Haia, em Clarice. Pedro passa a trabalhar com Rabin, já um próspero comerciante.1925- A família muda-se para Recife, Pernambuco, onde Pedro pretende construir uma nova vida. A doença de sua mãe, Marieta, que ficou paralítica, faz com que sua irmã Elisa se dedique a cuidar de todos e da casa.1928- Passa a freqüentar o Grupo Escolar João Barbalho, naquela cidade, onde aprende a ler. Durante sua infância a família passou por sérias crises financeiras.1930- Morre a mãe de Clarice no dia 21 de setembro. Nessa época, com nove anos, matricula-se no Collegio Hebreo-Idisch-Brasileiro, onde termina o terceiro ano primário. Estuda piano, hebraico e iídiche. Uma ida ao teatro a inspira e ela escreve "Pobre menina rica", peça em três atos, cujos originais foram perdidos. Seu pai resolve adotar a nacionalidade brasileira.1931- Inscreve-se para o exame de admissão no Ginásio Pernambucano. Já escrevia suas historinhas, todas recusadas pelo Diário de Pernambuco, que àquela época dedicava uma página às composições infantis. Isso se devia ao fato de que, ao contrário das outras crianças, as histórias de Clarice não tinham enredo e fatos — apenas sensações. Convive com inúmeros primos e primas.1932- É aprovada no exame de admissão e, junto com sua irmã Tania e sua prima Bertha, ingressa no tradicional Ginásio Pernambucano, fundado em 1825. Passa a visitar a livraria do pai de uma amiga. Lê "Reinações de Narizinho", de Monteiro Lobato, que pegou emprestado, já que não podia comprá-lo.1933- Seu pai prospera e mudam-se para casa própria, no mesmo bairro.1934- Pedro, pai de Clarice, em Dezembro desse ano, decide transferir-se para a cidade do Rio de Janeiro.1935- Viaja para o Rio, em companhia de sua irmã Tania e de seu pai, na terceira classe do vapor inglês "Highland Monarch". Vão morar numa casa alugada perto do Campo de São Cristóvão. Ainda nesse ano, mudam-se para uma casa na Tijuca, na rua Mariz e Barros. No colégio Sílvio Leite, na mesma rua de sua casa, cursa o quarta série ginasial. Lê romances adocicados, próprios para sua idade.1936- Termina o curso ginasial. Inicia-se na leitura de livros de autores nacionais e estrangeiros mais conhecidos, alugados em uma biblioteca de seu bairro. Conhece os trabalhos de Rachel de Queiroz, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Dostoiévski e Júlio Diniz.1937- Matricula-se no curso complementar (dois últimos anos do curso secundário) visando o ingresso na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.1938- Transfere-se para o curso complementar do colégio Andrews, na praia de Botafogo. Às voltas com dificuldades financeiras, dá aulas particulares de português e matemática. A relação professor/aluno seria um dos temas preferidos e recorrentes em toda a sua obra — desde o primeiro romance: Perto do Coração Selvagem. Ao mesmo tempo, aprende datilografia e faz inglês na Cultura Inglesa.1939- Inicia seus estudos na Faculdade Nacional de Direito. Faz traduções de textos científicos para revistas em um laboratório onde trabalha como secretária. Trabalha, também como secretária, em um escritório de advocacia.1940- Seu conto, Triunfo, é publicado em 25 de maio no semanário "Pan", de Tasso da Silveira. Em outubro desse ano, é publicado na revista "Vamos Ler!", editada por Raymundo Magalhães Júnior, o conto Eu e Jimmy. Esses trabalhos não fazem parte de nenhuma de suas coletâneas. Após a morte de seu pai, no dia 26 de agosto, a escritora — talvez motivada por esse acontecimento — escreve diversos contos: A fuga, História interrompida e O delírio. Esses contos serão publicados postumamente em A bela e a fera, de 1979. Passa a morar com a irmã Tania, já casada, no bairro do Catete. Consegue um emprego de tradutora no temido Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, dirigido por Lourival Fontes. Como não havia vaga para esse trabalho, Clarice ganha o lugar de redatora e repórter da Agência Nacional. Inicia-se, ai, sua carreira de jornalista. No novo emprego, convive com Antonio Callado, Francisco de Assis Barbosa, José Condé e, também, com Lúcio Cardoso, por quem nutre durante tempos uma paixão não correspondida: o escritor era homossexual. Com seu primeiro salário, entra numa livraria e compra "Bliss - Felicidade", de Katherine Mansfield, com tradução de Erico Verissimo, pois sentiu afinidade com a escritora neozelandesa.1941- Em 19 de janeiro, publica a reportagem "Onde se ensinará a ser feliz", no jornal "Diário do Povo", de Campinas (SP), sobra a inauguração de um lar para meninas carentes realizada pela primeira-dama Darcy Vargas. Além de textos jornalísticos, continua a publicar textos literários. Cursando o terceiro ano de direito, colabora com a revista dos estudantes de sua faculdade, "A Época", com os artigos Observações sobre o fundamento do direito de punir e Deve a mulher trabalhar? Passa a freqüentar o bar "Recreio", na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, ponto de encontro de autores como Lúcio Cardoso, Vinicius de Moraes, Rachel de Queiroz, Otávio de Faria, e muitos mais.1942- Começa a namorar com Maury Gurgel Valente, seu colega de faculdade. Com 22 anos de idade, recebe seu primeiro registro profissional, como redatora do jornal "A Noite". Lê Drummond, Cecília Meireles, Fernando Pessoa e Manuel Bandeira. Realiza cursos de antropologia brasileira e psicologia, na Casa do Estudante do Brasil. Nesse ano, escreve seu primeiro romance, Perto do coração selvagem.1943- Casa-se com o colega de faculdade Maury Gurgel Valente e termina o curso de Direito. Seu marido, por concurso, ingressa na carreira diplomática.1944- Muda-se para Belém do Pará (PA), acompanhando seu marido. Fica por lá apenas seis meses. Seu livro recebe críticas favoráveis de Guilherme Figueiredo, Breno Accioly, Dinah Silveira de Queiroz, Lauro Escorel, Lúcio Cardoso, Antonio Cândido e Ledo Ivo, entre outros. Álvaro Lins publica resenha com reparos ao livro mesmo antes de sua publicação, baseado na leitura dos originais. Qualifica o livro de "experiência incompleta". Há os que pretendem não compreender o romance, os que procuram influências — de Virgínia Wolf e James Joyce, quando ela nem os tinha lido — e ainda os que invocam o temperamento feminino. Nas palavras de Lauro Escorel, as características do romance revelam uma "personalidade de romancista verdadeiramente excepcional, pelos seus recursos técnicos e pela força da sua natureza inteligente e sensível." O casal volta ao Rio e, em 13/07/44, muda-se para Nápoles, em plena Segunda Guerra Mundial, onde o marido da escritora vai trabalhar. Já na saída do Brasil, Clarice mostra-se dividida entre a obrigação de acompanhar o marido e ter de deixar a família e os amigos. Quando chega à Itália, depois de um mês de viagem, escreve: "Na verdade não sei escrever cartas sobre viagens, na verdade nem mesmo sei viajar." Termina seu segundo romance, O lustre. Recebe o prêmio Graça Aranha com Perto do coração selvagem, considerado o melhor romance de 1943. Conhece Rubem Braga, então correspondente de guerra do jornal "Diário Carioca". 1945- Dá assistência a brasileiros feridos na guerra, trabalhando em hospital americano. O pintor italiano Giorgio De Chirico pinta-lhe um retrato. Viaja pela Europa e conhece o poeta Giuseppe Ungaretti. O lustre é publicado no Brasil pela Livraria Agir Editora.1946- Após o lançamento do livro, Clarice vem ao Brasil como correio diplomático do Ministério das Relações Exteriores, aqui ficando por quase três meses. Nessa época, apresentado por Rubem Braga, conhece Fernando Sabino que a introduz a Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e, posteriormente, a Hélio Pellegrino. De volta à Europa, vai morar com a família em Berna, Suíça, para onde seu marido havia sido designado como segundo-secretário. Sua correspondência com amigos brasileiros a mantinha a par das novidades, em especial as trocadas com Fernando Sabino. A troca de cartas com o escritor, quase que diariamente, duraria até janeiro de 1969. A convite, passam as festas de fim de ano com Bluma e Samuel Wainer, em Paris.1947- Em carta às irmãs, em janeiro de 47, de Paris, Clarice expõe seu estado de inadaptação:"Tenho visto pessoas demais, falado demais, dito mentiras, tenho sido muito gentil. Quem está se divertindo é uma mulher que eu detesto, uma mulher que não é a irmã de vocês. É qualquer uma." Em carta a Lúcio Cardoso, que havia lhe enviado seu livro "Anfiteatro", demonstra sua admiração pelas personagens femininas da obra.1948- Clarice fica grávida de seu primeiro filho. Para ela, a vida em Berna é de miséria existencial. A Cidade Sitiada, após três anos de trabalho, fica pronto. Terminado o último capítulo, dá à luz. Nasce então um complemento ao método de trabalho. Ela escreve com a máquina no colo, para cuidar do filho. Na crônica "Lembrança de uma fonte, de uma cidade", Clarice afirma que, em Berna, sua vida foi salva por causa do nascimento do filho Pedro, ocorrido em 10/09/1948, e por ter escrito um dos livros "menos gostados" (a editora Agir recusara a publicação).1949- Clarice volta ao Rio. Seu marido é removido para a Secretaria de Estado, no Rio de Janeiro. A cidade sitiada é publicado pela editora "A Noite". O livro não obtém grande repercussão entre o público e a crítica.1950- Escrevendo contos e convivendo com os amigos (Sabino, Otto, Lúcio e Paulo M. Campos), vê chegar a hora de partir: seguindo os passos de seu marido, retorna à Europa, onde mora por seis meses na cidade de Torquay, Inglaterra.Sofre um aborto espontâneo em Londres. É atendida pelo vice-cônsul na capital inglesa, João Cabral de Melo Neto.1951- A escritora retorna ao Rio de Janeiro, em março. Publica uma seleta com seis contos na coleção "Cadernos de cultura", editada pelo Ministério da Educação e Saúde. Falece sua grande amiga Bluma, ex-esposa de Samuel Wainer.1952- Cola grau na faculdade de direito, depois de muitos adiamentos. Volta a trabalhar em jornais, no período de maio a outubro, assinando a página "Entre Mulheres", no jornal "Comício", sob o pseudônimo de "Tereza Quadros". Atendeu a um pedido do amigo Rubem Braga, um dos fundadores do jornal. Nesse setembro, já grávida, embarca para a capital americana onde permanecerá por oito anos. Clarice inicia o esboço do romance A veia no pulso, que viria a ser A Maçã no Escuro, livro publicado em 1961.1953- Em 10 de fevereiro, nasce Paulo, seu segundo filho. Ela continua a escrever A Maçã no Escuro, em meio a conflitos domésticos e interiores. Mãe, Clarice Lispector divide seu tempo entre os filhos, A Maçã no Escuro, os contos de Laços de Família e a literatura infantil. Nos Estados Unidos, Clarice conhece o renomado escritor Erico Veríssimo e sua esposa Mafalda, dos quais torna-se grande amiga. O escritor gaúcho e sua esposa são escolhidos para padrinhos de Paulo. Não tem sucesso seu projeto de escrever uma crônica semanal para a revista "Manchete". Tem a agradável notícia de que seu romance Perto do coração selvagem seria traduzido para o francês.1954- É lançada a primeira edição francesa de Perto do coração selvagem, pela Editora Plon, com capa de Henri Matisse, após inúmeras reclamações da escritora sobre erros na tradução. Em julho, com os filhos, viaja para o Brasil, aqui ficando até setembro. De volta aos Estados Unidos, interrompe a elaboração de A maçã no escuro e se dedica, por cinco meses, a escrever seis contos encomendados por Simeão Leal.1955- Retorna a escrever o novo romance e contos. Sabino, que leu os seis contos feitos sob encomenda, os acho "obras de arte".1956- Termina de escrever A Maçã no Escuro (até então com o titulo de A veia no pulso). Érico Veríssimo e família retornam ao Brasil, não sem antes aceitarem serem os padrinhos de Pedro e Paulo. Entre os escritores, inicia-se uma vasta correspondência. A escritora e filhos vêm passar as férias no Brasil e Clarice aproveita para tentar a publicação de seu novo romance e os novos contos. Apesar de todo o empenho de Fernando Sabino e Rubem Braga, os livros não são editados. A escritora dá sinais de sua indisposição para com o tipo de vida que leva.1957- Rompe unilateralmente o contrato com Simeão Leal e autoriza Sabino e Braga a encaminharem seus contos — nessa altura em número de quinze — para serem publicados no "Suplemento Cultural" do jornal "O Estado de São Paulo". Seu casamento vive momentos de tensão.1958- Conhece e se torna amiga da pintora Maria Bonomi. É convidada a colaborar com a revista "Senhor", prevista para ser lançada no início do ano seguinte. Erico Verissimo escreve informando estar autorizado a editar seu romance e, também, seus contos pela Editora Globo, de Porto Alegre. 1.000 exemplares — dos mais de 1.700 remanescentes — de "Près du coeur sauvage" são incinerados, por falta de espaço de armazenamento. O casamento de Clarice dá sinais de seu final.1959- Separa-se do marido e, em julho, regressa ao Brasil com seus filhos. Seu livro continua inédito. A escritora resolve comprar o apartamento onde está residindo, no bairro do Leme, e, para isso, busca aumentar seus ganhos. Sob o pseudônimo de "Helen Palmer", inicia, em agosto, uma coluna no jornal "Correio da Manhã", intitulada "Correio feminino — Feira de utilidades".1960- Publica, finalmente, Laços de Família, seu primeiro livro de contos, pela editora Francisco Alves. Começa a assinar a coluna "Só para Mulheres", como "ghost-writer" da atriz Ilka Soares, no "Diário da Noite", a convite do jornalista Alberto Dines. Assina, com a Francisco Alves, novo contrato para a publicação de A maçã no escuro. Torna-se amiga da escritora Nélida Piñon.1961- Publica o romance A maçã no escuro. Recebe o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, por Laços de família.1962- Passa a assinar a coluna "Children's Corner", da seção "Sr. & Cia.", onde publica contos e crônicas. Visita, com os filhos, seu ex-marido que se encontra na Polônia. Recebe o prêmio Carmen Dolores Barbosa (oferecido pela senhora paulistana de mesmo nome), por A maçã no escuro, considerado o melhor livro do ano.1963- A convite, profere no XI Congresso Bienal do Instituto Internacional de Literatura Ibero-Americana, realizado em Austin - Texas, conferência sobre o tema "Literatura de vanguarda no Brasil. Conhece Gregory Rabassa, mais tarde tradutor para o inglês de A maçã no escuro. A paixão segundo G. H. é escrito em poucos meses, sendo entregue à Editora do Autor, de Sabino e Braga, para publicação. Compra um apartamento em construção no bairro do Leme.1964- Publica o livro de contos A legião estrangeira e o romance A Paixão Segundo G. H., ambos pela Editora do Autor. Em dezembro, o juiz profere a sentença que poria fim ao processo de separação de Clarice e Maury.1965- Em maio, muda-se para o apartamento comprados em 1963. Sua obra passa a ser vista com outros olhos — pela crítica e pelo público leitor — após A paixão segundo G. H. Resultado de uma seleta de trechos de seus livros, adaptados por Fauzi Arap, é encenada no Teatro Maison de France o espetáculo Perto do coração selvagem, com José Wilker, Glauce Rocha e outros. Dedica-se à educação dos filhos e com a saúde de Pedro, que apresenta um quadro de esquizofrenia, exigindo cuidados especiais. Apesar de traduzida para diversos idiomas e da republicação de diversos livros, a situação financeira de Clarice é muito difícil.1966- Na madrugada de 14 de setembro a escritora dorme com um cigarro aceso , provocando um incêndio. Seu quarto ficou totalmente destruído. Com inúmeras queimaduras pelo corpo, passou três dias sob o risco de morte — e dois meses hospitalizada. Quase tem sua mão direita — a mais afetada — amputada pelos médicos. O acidente mudaria em definitivo a vida de Clarice.1967- As inúmeras e profundas cicatrizes fazem com que a escritora caia em depressão, apesar de todo o apoio recebido de seus amigos. Não foi só um ano de acontecimentos ruins. Começa a publicar em agosto — a convite de Dines — crônicas no "Jornal do Brasil", trabalho que mantém por seis anos. Lança o livro infantil O mistério do coelho pensante, pela José Álvaro Editor. Em dezembro, passa a integrar o Conselho Consultivo do Instituto Nacional do Livro.1968- Em maio, o livro O mistério do coelho pensante é agraciado com a "Ordem do Calunga", concedido pela Campanha Nacional da Criança. Entrevista personalidades para a revista "Manchete" na seção "Diálogos possíveis com Clarice Lispector". Participa da manifestação contra a ditadura militar, em junho, chamada "Passeata dos 100 mil". Morrem seus amigos e escritores Lúcio Cardoso e Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta). É nomeada assistente de administração do Estado. Profere palestras na Universidade Federal de Minas Gerais e na Livraria do Estudante, em Belo Horizonte. Publica A mulher que matou os peixes, outro livro infantil, ilustrado por Carlos Scliar.1969- Publica seu "hino ao amor": Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, pela Editora Sabiá. O romance ganha o prêmio "Golfinho de Ouro", do Museu da Imagem e do Som. Viaja à Bahia onde entrevista para a "Manchete" o escritor Jorge Amado e os artistas Mário Cravo e Genaro. Em 14/08 é aposentada pelo INPS - Instituto Nacional de Previdência Social. Seu filho Paulo, mora nos Estados Unidos desde janeiro, num programa de intercâmbio cultural. Seu irmão Pedro, em tratamento psiquiátrico, esteve internado por um mês, em junho.1970- Começa a escrever um novo romance, com o título provisório de Atrás do pensamento: monólogo com a vida. Mais adiante, é chamado Objeto gritante. Foi lançado com o título definitivo de Água viva. Conhece Olga Borelli, de que se tornaria grande amiga.1971- Publica a coletânea de contos Felicidade clandestina, volume que inclui O ovo e a galinha, escrito sob o impacto da morte do bandido Mineirinho, assassinado pela polícia com treze tiros, no Rio de Janeiro. Há, também, um conjunto de escritos em que rememora a infância em Recife. Encarrega o professor Alexandre Severino da tradução, para o inglês, de Atrás do pensamento: monólogo com a vida. Dez de seus contos já publicados constam de "Elenco de cronistas modernos", lançado pela Editora Sabiá.1972- Retoma a revisão de Atrás do pensamento, com o qual não estava satisfeita. Faz inúmeras alterações no texto e passa a chamá-lo Objeto gritante. Repensando o romance, procura distrair-se. Durante um mês posa para o pintor Carlos Scliar, em Cabo Frio (RJ).1973- Publica o romance Água viva, após três anos de elaboração, pela Editora Artenova, que lançaria também, nesse ano, A imitação da rosa, quinze contos já publicados anteriormente em outras coletâneas. Alberto Dines, em carta à escritora, diz sobre Água viva: "[...] É menos um livro-carta e, muito mais, um livro música. Acho que você escreveu uma sinfonia". Viaja à Europa com a amiga Olga Borelli. Clarice deixa de colaborar com o "Jornal do Brasil", face à demissão de Alberto Dines, no mês de dezembro.1974- Para manter seu nível de renda, aumenta sua atividade como tradutora. Verte, entre outros, "O retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, adaptado para o público juvenil, pela Ediouro. Publica, pela José Olympio Editora, outro livro infantil, A vida íntima de Laura e dois livros de contos, pela Artenova: A via crucis do corpo e Onde estivestes de noite. Uma curiosidade: a primeira edição de Onde estivestes de noite foi recolhida porque foi colocado, erroneamente, um ponto de interrogação no título. Seu cão, Ulisses, lhe morde o rosto, fazendo com que se submeta a cirurgia plástica reparadora reparadora realizada por seu amigo Dr. Ivo Pitanguy. Lê, em Brasília (DF), a convite da Fundação Cultural do Distrito Federal, a conferência "Literatura de vanguarda no Brasil", que já apresentara no Texas. Participa, em Cali — Colômbia, do IV Congresso da Nova Narrativa Hispano-americana. Seu filho, Paulo, vai morar sozinho, em um apartamento próximo ao da escritora. Pedro vai morar com o pai, em Montevidéu — Uruguai.1975- Tendo como companheira de viagem a amiga Olga Borelli, participa do I Congresso Mundial de Bruxaria, em Bogotá, Colômbia. No dia de sua apresentação sente-se indisposta e pede a alguém que leia o conto O ovo e a galinha, não apresentando a fala sobre a magia que havia preparado para a introdução da leitura. Muito embora minimizada, essa participação tem muito a ver com as palavras ditas por Otto Lara Resende, conhecido escritor, em um bate-papo com José Castello: "Você deve tomar cuidado com Clarice. Não se trata de literatura, mas de bruxaria." Otto se baseava em estudos feitos por Claire Varin, professora de literatura canadense que escreveu dois livros sobre a biografada. Segundo ela, só é possível ler Clarice tomando seu lugar — sendo Clarice. "Não há outro caminho", ela garante. Para corroborar sua tese, Claire cita um trecho da crônica A descoberta do mundo, onde a escritora diz: "O personagem leitor é um personagem curioso, estranho. Ao mesmo tempo que inteiramente individual e com reações próprias, é tão terrivelmente ligado ao escritor que na verdade ele, o leitor, é o escritor." Traduz romances, como "Luzes acesas", de Bella Chagall, "A rendeira", de Pascal Lainé, e livros policiais de Agatha Christie. Ao longo da década, faz adaptações de obras de Julio Verne, Edgar Allan Poe, Walter Scott e Jack London e Ibsen. Lança Visão do esplendor, com trabalhos já publicados na coluna "Children's Corner", da revista "Senhor" e também no "Jornal do Brasil". Publica De corpo inteiro, com algumas entrevistas que fizera anteriormente para revistas cariocas. É muito elogiada quando visita Belo Horizonte, fato que a deixa contrariada. Passa a dedicar-se à pintura. Morre, dia 28 de novembro, seu grande amigo e compadre Erico Verissimo. Reúne trabalhos de Andréa Azulay num volume artesanal ilustrado por Sérgio Mata, intitulado "Meus primeiros contos". Andréa tinha, então, dez anos de idade.1976- Seu filho Paulo casa-se com Ilana Kauffmann. Participa, em Buenos Aires, Argentina, da Segunda Exposición — Feria Internacional del Autor al Lector, onde recebe muitas homenagens. É agraciada, em abril, com o prêmio concedido pela Fundação Cultural do Distrito Federal, pelo conjunto de sua obra. Grava depoimento no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, em outubro, conduzido por Affonso Romano de Sant'Anna, Marina Colasanti e por João Salgueiro, diretor do MIS. Em maio, corre o boato de que a escritora não mais receberia jornalistas. José Castello, biógrafo e escritor, nessa época trabalhando no jornal "O Globo", mesmo assim telefona e consegue marcar um encontro. Após muitas idas e vindas é recebido. Trava então o seguinte diálogo com Clarice:J.C. "— Por que você escreve?C.L. "— Vou lhe responder com outra pergunta: — Por que você bebe água?"J.C. "— Por que bebo água? Porque tenho sede."C.L. "— Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva."Enquanto escreve A hora da estrela com a a ajuda da amiga Olga, toma notas para o novo romance, Um sopro de vida. Revê Recife e visita parentes. Em dezembro, "Fatos e Fotos Gente", revista do grupo "Manchete", publica entrevista feita com a artista Elke Maravilha, a primeira de uma série que se estenderia até outubro de 1977.1977- A revista "Fatos e Fotos Gente" publica, em janeiro, entrevista feita pela escritora com Mário Soares, primeiro-ministro de Portugal. O jornal "Última Hora" passa a publicar, a partir de fevereiro, semanalmente, as suas crônicas. Ainda nesse mês, é entrevistada pelo jornalista Júlio Lerner para o programa "Panorama Especial", TV Cultura de São Paulo, com o compromisso de só ser transmitida após a sua morte. Escreve um livro para crianças, que seria publicado em 1978, sob o título Quase de verdade. Escreve, ainda, doze histórias infantis para o calendário de 1978 da fábrica de brinquedos "Estrela", intitulado Como nasceram as estrelas. Vai à França e retorna inesperadamente. Publica A hora da estrela, pela José Olympio, com introdução — "O grito do silêncio" — de Eduardo Portella. Esse livro seria adaptado para o cinema, em 1985, por Suzana Amaral. A editora Ática lança nova edição de A legião estrangeira, com prefácio de Affonso Romano de Sant'Anna. Clarice morre, no Rio, no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu 57° aniversário vitimada por uma súbita obstrução intestinal, de origem desconhecida que, depois, veio-se a saber, ter sido motivada por um adenocarcinoma de ovário irreversível. O enterro aconteceu no Cemitério Comunal Israelita, no bairro do Caju, no dia 11. Vai ao ar, pela TV Cultura, no dia 28/12, a entrevista gravada em fevereiro desse ano.1978- Três livros póstumos são publicados: o romance Um sopro de vida — Pulsações, pela Nova Fronteira, a partir de fragmentos em parte reunidos por Olga Borelli; o de crônicas Para não esquecer, e o infantil, Quase de verdade, em volume autônomo, pela Ática. Para não esquecer é composto de crônicas que haviam sido publicadas na segunda parte do livro A legião estrangeira, em 1964, que compunham a seção "Fundo de Gaveta" do citado livro. A hora da estrela é agraciada com o prêmio Jabuti de "Melhor Romance". A paixão sendo G. H. é publicada na França, com tradução de Claude Farny.1979- É publicado A bela e a fera, pela Nova Fronteira, contendo contos publicados esparsamente em jornais e revistas. Estréia, no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, Um sopro de vida, baseado em livro de mesmo nome, com adaptação de Marilena Ansaldi e direção de José Possi Neto.1981- "Clarice Lispector — Esboço para um retrato", de Olga Borelli, é lançado pela Nova Fronteira. 1984- Reunindo a quase totalidade de crônicas publicadas no Jornal do Brasil, no período de 1967 a 1973, é lançado "A descoberta do mundo", organização de Paulo Gurgel Valente, filho da autora. A Éditions des Femmes, da França, lança, em sua coleção "La Bibliotèque des voix", fita cassete com trechos de La passion selon G. H., lidos pela atríz Anouk Aimée.1985- A hora da estrela recebe dois prêmios na 36ª edição do Festival de Berlim: da Confederação Internacional de Cineclubes — Cicae, e da Organização Católica Internacional do Cinema e do Audiovisual — Ocic. O longa-metragem de mesmo nome, dirigido por Suzana Amaral, com roteiro de Alfredo Oros também é premiado: Marcélia Cartaxo recebe o Urso de Prata de "Melhor Atriz".Outros acontecimentosOs 10 anos da morte da escritora são lembrados com diversas homenagens em sua memória. É aberto ao público o conjunto de documentos que viria a constituir o Arquivo Clarice Lispector do Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa - FCRB, no Rio de Janeiro, constituído de documentos doados por Paulo Gurgel Valente.Em 1990, a Francisco Alves Editora inicia a reedição da obra da escritora. A paixão segundo G. H. é encenada na capital francesa, no teatro Gérard Philippe, em montagem de Alain Neddam. Diane E. Marting, em 1993, publica "Clarice Lispector. A Bio-Bibliography", pela Westport: Greenwood Press, nos Estados Unidos. Em 1996, é lançada a antologia "Os melhores contos de Clarice Lispector", pela editora Global.Estréia no Rio de Janeiro "Clarice — Coração selvagem", adaptado e dirigido por Maria Lúcia Lima, com Aracy Balabanian, em 1998.No ano seguinte, "Que mistérios tem Clarice", adaptado por Luiz Arthur Nunes e Mário Piragibe estréia no teatro N. E. X. T.Fernando Sabino, em 2001, organiza e publica, pela Record, "Cartas perto do coração", contendo correspondência que manteve com a escritora de 1946 a 1969.A editora Rocco lança, em 2002, "Correspondências — Clarice Lispector", antologia de cartas de e para a escritora, seleção de Teresa Montero.No aniversário de Clarice, 10/12/2002, a Embaixada do Brasil na Ucrânia e a Prefeitura de Tchetchelnik se associam em homenagem à memória da escritora, inaugurando uma placa com dados biográficos gravados em russo e em português, que é afixada na entrada da sede da administração municipal.Em 2004, os manuscritos de A hora da estrela e parte dos livros que pertenciam à biblioteca pessoal de Clarice Lispector são confiadas por Paulo Gurgel Valente à guarda do Instituto Moreira Salles, que lança, em dezembro, edição especial dos "Cadernos de Literatura Brasileira", dedicada à vida e à obra da autora.Em artigo publicado no jornal "The New York Times", no dia 11/03/2005, a escritora foi descrita como o equivalente de Kafka na literatura latino-americana. A afirmação foi feita por Gregory Rabassa, tradutor para o inglês de Jorge Amado, Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e de Clarice. No dia 13/01, foi discutido o viés judaico na obra da autora no Centro de História Judaica em Nova York.
"Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever."
Texto de Eve ENSLER
18/08/2007
ANTIPORNOGRAFIA
Seu corpo, mente e alma são um campo de batalha. Há interesses milenares sobre eles, que são defendidos com a mais bruta violência, e a mais violenta brutalidade. Você vive em um mundo em que a prostituição existe. Mais que fato, mais que regra. Existe. E a pornografia é a prostituição em massa.
Pornografia é o narcótico mais importante de nosso sistema. Você conhece alguma, qualquer pessoa que nunca esteve exposta à pornografia? Com quantos anos você teve acesso à pornografia pela primeira vez?
A estética da pornografia é a estética do estupro. A pornografia é um estupro simbólico, psicológico, político, social, emocional. Somos tod=s estuprad=s.
"Pornografia não é sinal de muito sexo, mas de pouco. Quanto mais pornografia, menos sexo e mais pornografia." -- Cau de Alencar
"Ter que me deparar, contra a minha vontade, com a pornografia nas ruas, na tv e demais meios de comunicação tem algo a ver com a liberdade? Não com a minha."
A questão é: não somos contra uma mulher tirar a roupa e sair por ai, pelada na rua. Afinal, ela faz o que quiser com o corpo dela. Mas sim: somos contra a mídia prostituinte que estupra a imagem do corpo da mulher vendendo-a como peças de um mercado sem fim. A liberdade da mulher não tem nada haver com as escolhas que ela toma na sociedade, mas sim, com as consequências que estas escolhas podem causar a massa feminina. Um ato particular de uma mulher posar nua, acarreta - de fato, as causas da pedofilia no Brasil e no mundo, e o estupro em que ela sujeita OUTRAS mulheres. Dane-se as mulheres que posam nuas. A nossa preocupação não é com a minoria feminina que se submete como objeto, mas sim, com a maioria que não tem voz.
MULHERES QUE POSAM NUAS SAO MERCENÁRIAS TRAIDORAS AGENTES DO PATRIARCADO, COLABORANDO PRA ESTIGMATIZAR NOSSOS CORPOS E DEFINÍ-LOS COMO ALVOS NAS RUAS, SUFOCANDO NOSSO DIREITO DE IR E VIR.
BAKUNIN E UM DOS SEUS MELHORES DISCURSOS ANTI-COMUNISTA
frases molotov
"Te cobriram com panos, destruiram todos teus sonhos. Costuraram teus lábios e impuseram as ordens. Em nome de um Deus ou em nome de um Homem?" MOLOTOV (sobre as mulheres Islâmicas/xiitas/sunitas e o caralho)
"Nossas raizes são comunistas e nunca iremos nega-las mas nossos sonhos...são anarquistas, e nunca vamos esquece-los." Molotov. (em relação ao black block e os ideais libertários latinos americanos atuais)
"Toda construção de uma Civilização é em especial, toda uma construção de vários suícidios coletivos em massa ou individuais em um futuro próximo-presente." MOLOTOV (inspirada novamente em mulheres islâmicas/fatos reais)
"Digo que os sentimentos mais puros das pessoas são os que perpetuam o ódio, pois é fato que todo ódio sempre foi e sempre será contemplado por 50% de amor puro, único e simples. E é fato, que quem não bebe da fonte de uma revolução jamais sentirá ambos sentimentos de forma intensa e tão apaixonante." MOLOTOV (não sei se isso é chantagem emocional. hahaha. mas é o que sinto)
"As mulheres foram educadas para odiar as mulheres e amar os homens. Assim como os homens foram feitos para amar os homens e supostamente odiar as mulheres que odeiam a si mesmas." MOLOTOV (verdade simples)
"Ser contra o Casamento, supostamente, não é ser contra o Amor. Casamento como fundação dos homens reforça a raiz da opressão sobre as mulheres, o que eu costumo chamar de comitatus sexual dos membros da espécie humana-masculina. Tal como o Comitatus é a demanda de uma submissão pré-destinada." MOLOTOV (se posso eu explicar essa minha postura contra o casamento, sinceramente, não entendo porque me chamam de radical)
contra civilização
Um olhar dentro do meu mundo. Por Zieba Shorish-Shamley
(depois eu que sou radical)
Por Zieba Shorish-Shamley
Eles me fizeram prisioneira em grilhões e correntes.
Você sabe qual é a minha culpa? Você sabe qual é o meu pecado?
Esses selvagens ignorantes, que não podem ver a luz continuam a me bater e oprimir,
para mostrar que podem fazer isso. Eles me fazem invisível, em mortalhas e não-existente.
Uma sombra, uma não-existência, silenciada e não vista.
Sem direito à liberdade confinada na minha prisão.
Diga-me como suportar minha raiva e furor?
Eles destruíram meu país e o venderam ao invasor. Eles massacraram meu povo, minhas irmãs e minha mãe. Eles mataram todos os meus irmãos, sem um pensamento.
O reinado que eles impuseram, ordena o ódio e a fúria.
Chacina crianças e idosos, sem julgamento defesa ou júri. Bane a arte e os artistas,
pune os poetas e escritores.Vende drogas e rumores, nutre lutadores terroristas.
Na indigência e miséria eu sigo nessa vida.
Eu continuo tentando conter o conflito. Você poderia me dar uma resposta?
Sabe qual é a minha escolha? Serei eu uma fonte do demônio?
Você pode ouvir minha voz? Essa é minha religião?
É esse o caminho da cultura? Eu mereço esse destino entregue aos abutres?
A dor é intensa, devo acabar com minha vida?
Tomando um copo de veneno? Apunhalando meu coração com uma faca?
Minha terrível culpa é baseada no meu gênero.
Casamento forçado, prostituição, minha venda pelo delinqüente.
Buscando um caminho para compensação, encontrando injustiça cruel.
Pega no círculo vicioso, ganha a paz? e ganha a justiça?
Presa na teia do horror. Desespero, medo, aspereza.
Perdida no mundo do terror, a morte está perto e a escuridão.
O mundo é acossado com a surdez, silêncio, frieza e inércia.
Ninguém ouve meus lamentos, ninguém divide meu tormento. Ouça o tufão rugir, esse é o meu gemido. Olhe a chuva do furacão, minhas lágrimas sem grades..
A raiva do vulcão propaga meus gritos.
A cólera do tornado, a visão dos meus sonhos. Ouça-me, sinta minha dor,
você precisa compartilhar meu sofrimento.
Poderia ser você nessas correntes, se não hoje, amanhã.
Junte-se a mim na resistência, sem parada ou pausa.
Nós podemos derrotar esse demônio, ser vencedoras da minha causa .
Essas regras não podem me deter, eu vou desafiar e lutar para alcançar
a alvorada da liberdade, eu busco a luz da justiça.
Eu vou esmagar esses dominadores, eu vou queimar essa jaula.
Eu vou derrubar esses muros, nesse maldito inferno!
50° aniversário da Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
Dedicado a todas as minhas irmãs afegãs e todas as mulheres que sofrem a mesma situação. 10 de dezembro de 1998.
Manifesto do Apartido Feminista Por Molotov
Aberta uma discussão para a liberdade das mulheres. Existindo no entanto uma critica a três fatores de édito sistemático atual. Formulamos aqui uma analise e reflexão para um novo feminismo. Tal critica do nosso Manifesto Apartidário Feminista defeca no caráter econômico, social e político de nova ordem mundial todo o nosso ódio perante o “triunvirato” do sistema pelas tais estruturas postas: Como a economia capitalista que renegamos. O estado simbólico e controlador. Como a voz de um Papado que obedece a uma linha de “raciocínio” feito para cumprir um pensamento dominante. Pomos em pauta todos os carateres esclarecidos dos poderes que regem o mundo e com a ascensão da globalização (tal pela nova ordem mundial) – os ideais feministas que sempre foram mantidos em palpitação de sufrágios da causa Proletariada Feminina tomam um novo olhar sobre o novo mundo e as leis que os regem. Então comecemos com questionamentos feitos como: Existe emancipação das mulheres quando um estado rege as leis?
Com perguntas simples conseguimos absorver vários pontos de partida. No decorrer da história pós-segunda revolução industrial onde mulheres foram tidas como salva-guarda dos lucros exigidos nas áreas de industrialização vimos que a estrutura social tida assumia um eixo de exploração nas mulheres e suas minorias (uma questão de classes). O que ocorreu não foi uma “conquista” dessas minorias no mercado de trabalho, foi uma aceitação da sociedade para a marginalização das mulheres. No plano social sexista onde todos os controles e camadas sociais são desiguais a luta de classes tornou um embate e supriu com a luta das mulheres pobres.Afinal, por que elas lá iriam chamar de “irmãs” as burguesas que as exploravam? (Sim, assume aqui os primeiros pensamentos radicais esquerdistas das mulheres tomando uma amplitude mais anarquista e lógica).
Seguindo outro ponto de vista/e o mesmo ao mesmo tempo, ficava claro que a “igualdade” proclamada entre os sexos pelas feministas de esquerda não assumia como pano de fundo um xerox de um mundo igualitário pois o que reivindicavam não instituía a ausência de classes, mas sim a presença de uma única classe constituída por materialismos (eis aqui o titulo sarcástico desse texto pelo qual eu nomeio por “mera coincidência” como “O manifesto do Apartido feminista”). Tendo um ponto de vista menos maciço e mais puro (diga-se, libertário) a “igualdade” proclamada entre os sexos por feministas sem governo, partido, e classes, exige que os fatores políticos propostos pelas políticas das mulheres não signifiquem somente igualdade entre mulheres e homens. No entanto, se significa também a igualdade entre mulheres e mulheres, e homens e homens.
O que ainda não foi sugerido é quebra do estado (por isso se reivindica direitos como o aborto, a espera de um legislar que por plebiscitos somente “GLOBALIZA” a burocratização). Várias conquistas que as feministas comunistas puseram em pauta sempre foram demarcadas por idéias particulares de núcleos políticos, tais como os partidos. Apelidando as feministas libertárias como uma nova política feminista. O novo-feminismo quer a quebra dos poderes universais. E como. Por que as mulheres não podem sonhar com hospitais anarquistas para suprir a questão da “necessidade por lei”? Porque não se quer pedir por favor para “deixar-se” fazer (como o aborto). A única lei que se aceita beber da fonte – pelo MAF (movimento apartidário feminista), são as leis livres. O corpo é teu? Faça o que quiser com ele (e é lógico, sem pagar impostos). Por exemplo: o corpo é teu, você sabe disso. Por que raios você deveria “casar” com o estado? O corpo é teu, você sabe disso.Por que raios você deveria trabalhar para alimentar uma economia capitalista, e pagar impostos? O corpo é teu, você sabe disso. Então, por que raios você precisa de instituições políticas, religiosas, “significativas”? A junção de todos os controles “masculinitários” com a Globalização sufoca aquilo que nós chamamos de emancipação das mulheres (você já assistiu algum comercial emético de máquina de lavar roupas? *máquinas extremamente tecnológicas. Você lembra que nos comerciais chamaram o Confort ou o OmoMultiação de liberdade para as mulheres?) Se esses três demônios do sistema não desaparecerem junto com o próprio, a LIBERDADE para as mulheres nunca virá, porque de fato todos sustentam as raízes do patriarcado e perpetuam tal ordem vil.
O que se ascende junto com o MAF é uma política demarcada por ação direta. Se acreditamos que quebrar bens materias que representam a tal da falta da nossa liberdade – seja eles públicos e privados, e se não gostamos de ficar mastigando chicletes segurando cartazes na Paulista em ascensão do PT ou da P*** (censura censurada) de outros partidos (da PORRA mesmo) por que raios devemos acreditar que a nossa liberdade de expressão não entra em jogo? O que acontece é que a luta das mulheres sempre foi pacifica e nunca nem se quer ameaçou um ramister (O que achamos péssimo. Mulheres com facão na mão defendendo interesses das MULHERES, é muito mais revolucionário do que segurando drogas de faixas partidárias).
No ano de 2000 pra cá esse novo feminismo usou de novas estratégicas para reagir contra o estado e o capital, assim como várias mulheres foram presas. Quando usando novas táticas e havendo detenção, por que acreditar que estaríamos conquistando um mundo novo? Se deter manifestante torna-se uma ação do estado que por sua vez parte por ser opressor, por que as mulheres devem acreditar que opressores trazem a paz? (Podemos acreditar que os que nos prendem hoje trás a nossa liberdade no amanhã?) O plano de mundo atual questionado, participa de um modelo eventual de classes onde exceções e particularidades de mulheres por mulheres – não representam de fato o domínio da conquista da luta feminina pela massa feminina (por que há divisões).
Ainda existem as patrícias. Ainda existem modos de produção que demandam acumulação de riquezas. E ainda existe uma plebe feminina inferiorizada. Essas esmolas estatais, a história e o getulhismo pelo “direito ao voto” (eca), a tecnologia e outros fatores não passam de piadas de dinossauros ou tucaninhos. As estruturas econômicas atuais que vigiam 3 vezes mais, que controlam e que punem não trás em bandejas o que tanto se espera. Então ela é falsa. nojenta, estúpida. E nós não precisamos dela.
Um aborto por plebiscito, um voto, um emprego, uma máquina de lavar roupas? Não! Nós não trocamos isso por nossa liberdade e sonhos. Pois todo sinônimo mantido nesses conceitos encarrega-se de uma classe dominante. De um pensamento comum que prefere pagar para ser livre sendo que nada disso tem valor. Que morram os partidos políticos. Dane-se a Martha Suplicy e a Condoleezza Rice. Emma Goldman Vive. O MANIFESTO APARTIDÁRIO FEMINISTA E O M.A.F resistem porque há resistência nas ruas. Há resistências dentro de casas (por domesticação). resistem porque ser mulher é sinônimo de Levante, tal porque há resistência mesmo quando não há idéia do que seja uma revolução. Mulheres e força, é pleonasmo. Pleonasmo que resiste ao tempo. Que resiste ao próprio pleonasmo. Que resiste.