Texto de Eve ENSLER:Aqui publicamos extractos (1) de um relato chocante sobre o sofrimento das mulheres, as principais vítimas da guerra civil em que está imerso o país do presidente Joseph Kabila (uma guerra apoiada pelas potências ocidentais).Rico em matérias-primas (cobre, cobalto, tungsténio, cádmio, diamantes), o Congo Kinshasa faz parte da África útil. Sujeito a pilhagens e à corrupção, o país é, também, objectivo dos apetites regionais do Uganda, Ruanda e Angola. Em todos estes conflitos, as multinacionais e as potências ocidentais (em primeira linha a União Europeia e os Estados Unidos) jogam um papel omnipresente. São a verdadeira cara oculta da mundialização.Eve Ensler, escreveu este relatório para o Conselho de Segurança das Nações Unidas, é feminista e escritora. Também é autora da obra conhecida mundialmente “Monólogos da vagina”.Volto do inferno. Procuro desesperadamente uma maneira para vos contar o que vi e ouvi na República Democrática do Congo. Procuro uma maneira para vos contar as histórias e as atrocidades, e ao mesmo tempo, evitar que fiquem abatidos, chocados ou afectados mentalmente. Procuro uma maneira de vos transmitir o meu testemunho sem gritar, sem me imolar ou sem procurar uma AK47. Não sou a primeira pessoa que denuncia as violações, as mutilações e as desfigurações das mulheres do Congo. Existem relatórios a respeito deste problema desde 2000. Não sou a primeira que conta estas histórias, mas como escritora e militante contra a violência sexual contra as mulheres, vivo no mundo da violação. Passei dez anos a ouvir as histórias de mulheres violadas, torturadas, queimadas e mutiladas na Bósnia, Kosovo, Estados Unidos, Cidade Juárez (México), Quénia, Paquistão, Haiti, Filipinas, Iraque e Afeganistão. E apesar de saber que é perigoso comparar atrocidades e sofrimentos, nada do que eu tinha ouvido até agora era tão horrível e aterrorizador como a destruição da espécie feminina no Congo.A situação não é mais do que um feminicídio e temos que a reconhecer e analisar tal como é. É um estado de emergência. As mulheres são violadas e assassinadas a toda a hora. Os crimes contra o corpo da mulher já são horríveis por si. No entanto, há que acrescentar o seguinte: por causa de uma superstição que diz que se um homem viola mulheres muito jovens ou muito idosas obtém poderes especiais, meninas de menos de doze anos de idade e mulheres de mais de oitenta anos são vítimas de violação. Também há que acrescentar as violações das mulheres à frente dos seus maridos e filhos. Mas a maior crueldade é a seguinte: soldados seropositivos organizam comandos nas aldeias para violar as mulheres, mutilá-las… Há relatos de centenas de casos de fístulas na vagina e no recto causadas pela introdução de paus, armas ou violações colectivas. Estas mulheres já não conseguem controlar a urina ou as fezes. Depois de serem violadas as mulheres são também abandonadas pela sua família e a sua comunidade.No entanto, o crime mais terrível é a passividade da comunidade internacional, das instituições governamentais, dos meios de comunicação… a indiferença total do mundo perante tal extermínio.Passei duas semanas em Bukavu e Goma a entrevistar as sobreviventes. Algumas eram de Bunia.Efectuei pelo menos oito horas de entrevistas por dia. Almocei e fui a sessões de terapia com estas mulheres. Chorei com elas. O nível de atrocidades supera a imaginação. Não tinha visto em nenhuma parte este tipo de violência de tortura sexual, de crueldade e de barbárie. No leste do Congo existe um clima de violência. Nesta zona as violações tornaram-se, tal como me disse uma sobrevivente, um “desporto nacional”. As mulheres são menos que cidadãs de segunda classe. Os animais são mais bem tratados. Parece que todas as tropas estão implicadas nas violações: as FDLR, as Interahamw, a armada congolesa e até as forças de paz da ONU. [] A falta de prevenção, de protecção e a ausência de sanções são alarmantes.(foto da Eve Ensler em Panzi.)Passei uma semana no Hospital de Panzi, a viver numa aldeia de mulheres violadas e torturadas. Era como uma cena de um filme de terror futurista. Ouvi histórias de mulheres que viram os seus filhos serem brutalmente e cinicamente assassinados. Mulheres que foram forçadas, debaixo da ameaça de armas, a ingerir excrementos, a beber urina ou a comer bebés mortos. Mulheres que foram testemunhas da mutilação genital dos seus maridos ou violadas durante semanas por grupos de homens. Estas mulheres faziam fila para me contar as suas histórias. Os traumas eram enormes e o sofrimento extremamente profundo. […]As mulheres sofrem imenso. Estão debilitadas pelas violações, as torturas e a brutalidade. Não têm praticamente apoio nenhum. Depois de viver estas atrocidades são incapazes de trabalhar nos campos ou de transportar coisas pesadas, por isso deixam de ter rendimento. Vi chegar pelo menos doze mulheres por dia a essa aldeia. Chegavam a coxear e apoiadas em bengalas feitas à mão. Várias mulheres contaram-me que “as florestas cheiravam a morte” e que “não se podia dar nem cinco passos sem tropeçar com um corpo”. Durante a semana que passei em Panzi, o governo cortou a água por isso o hospital, onde havia centenas de mulheres feridas, ficou sem água. O mesmo hospital pelo qual as mulheres tinham andado mais de sessenta quilómetros porque não havia outro mais perto. O mesmo hospital onde não havia nada para comer (duas crianças morreram de má nutrição num dia). […]E enquanto nós estamos aqui a escrever o nosso relatório, há mulheres que estão a ser violadas, meninas que estão a ser destroçadas para sempre, mulheres que estão a ser testemunhas do assassínio (a golpe de catana) das suas famílias e outras que estão a ser infectadas pelo o vírus da SIDA.Onde está a nossa indignação?Onde está a consciência das pessoas?
(depois me perguntam porque eu sou contra o capitalismo, contra a guerra, e contra 99% das políticas masculinas)... (depois me insultam de radical, me chamam de rebelde sem causa)... (depois de tudo isso, será que eu terei o direito de ser o meu próprio ódio?)
Um comentário:
Ola, estava fuçando e achei este blog.
Bom, da uma sacada nos dois que tenho http://andersonbarbosafotojornalista.blogspot.com e http://conflitos.blogspot.com
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